Tributação sobre distribuição de lucros a partir de 2026: o que muda na prática e como se planejar com antecedência
A partir de 1º de janeiro de 2026, a forma como os sócios de empresas recebem seus lucros no Brasil mudará de maneira significativa. Até aqui, por muitos anos, a distribuição de lucros para pessoas físicas foi totalmente isenta de Imposto de Renda, desde que os valores tivessem respaldo em contabilidade regular. No entanto, com o avanço do PL 1087/2025, surge um novo modelo: lucros acima de R$ 50.000,00 por mês passarão a ser tributados em 10% na fonte.
Essa mudança, por si só, já justificaria a atenção de qualquer empresário. Porém, quando observamos o cenário de crescimento do empreendedorismo, do e-commerce e de negócios digitais, fica ainda mais evidente que entender essa nova tributação não é apenas um detalhe técnico, mas sim um assunto estratégico. Afinal, ela mexe diretamente com a forma como o sócio é remunerado e, consequentemente, com o planejamento financeiro e patrimonial de quem empreende.
Por isso, ao longo deste artigo, vamos caminhar passo a passo pelos principais pontos da nova tributação: primeiro, retomando como era o modelo anterior; depois, detalhando o que muda a partir de 2026; em seguida, analisando exemplos práticos; e, por fim, mostrando como a contabilidade e o planejamento podem transformar uma “novidade preocupante” em uma oportunidade de organização e eficiência tributária.
Se, além de ler este artigo, você quiser consultar a redação oficial da proposta, é possível acessar diretamente pelo site do Planalto:
clique aqui para ver o texto do PL 1087/2025.
1. Como funciona hoje a tributação sobre lucros distribuídos?
Para entender a mudança, é essencial voltar um pouco no tempo. Desde a segunda metade da década de 1990, com a Lei nº 9.249/1995, o Brasil adotou um modelo no qual os lucros e dividendos distribuídos aos sócios são isentos de Imposto de Renda na pessoa física. Em outras palavras, a empresa paga seus tributos (sobre receita ou lucro, conforme o regime) e, posteriormente, o que é distribuído ao sócio não sofre nova tributação.
Na teoria, essa lógica foi defendida como uma forma de evitar bitributação e, ao mesmo tempo, incentivar o investimento produtivo. Na prática, porém, esse modelo trouxe alguns comportamentos bastante comuns no meio empresarial. Por exemplo, muitos empresários optaram por um pró-labore mais baixo, para reduzir encargos previdenciários e IRPF, e complementaram sua remuneração com distribuição de lucros isentos.
Além disso, vários negócios passaram a utilizar a empresa como veículo de construção de patrimônio, deixando recursos acumulados para uma futura distribuição, sempre sob a lógica de isenção. Também é verdade que, em inúmeros casos, sócios de empresas extremamente lucrativas terminaram pagando, proporcionalmente, menos imposto do que profissionais assalariados com alta renda.
2. O que muda com a nova tributação de lucros a partir de 2026?
A grande mudança trazida pelo PL 1087/2025 é a criação de um limite mensal de isenção para a distribuição de lucros e, sobretudo, a instituição de uma alíquota de 10% de Imposto de Renda na fonte sobre o montante que ultrapassar esse limite. Assim, se antes o lucro distribuído era integralmente isento, agora passa a haver uma faixa isenta e uma faixa tributada.
2.1. Isenção de lucros até R$ 50.000,00 por mês
Em primeiro lugar, é importante deixar claro que a isenção não acabou por completo. Pelo contrário, ela foi preservada até o patamar de R$ 50.000,00 mensais por pessoa física, por empresa. Isso significa que, até esse valor, a distribuição de lucros continua sem tributação adicional na pessoa física.
Isso é particularmente relevante para pequenas e até muitas médias empresas, especialmente aquelas em que o sócio retira valores dentro desse limite. Nessas situações, a mudança tende a ser quase imperceptível. No entanto, à medida que o negócio cresce, esse teto passa a ser um ponto constante de atenção.
2.2. Tributação de 10% sobre o valor excedente
A partir do momento em que a distribuição de lucros para uma pessoa física, vinda de uma mesma empresa, ultrapassa os R$ 50.000,00 em determinado mês, todo o valor excedente passa a ser tributado à alíquota de 10% de IR na fonte. Ou seja, a empresa é quem retém e recolhe esse imposto, antes de transferir o valor líquido ao sócio.
Em outras palavras, se o sócio recebia, por exemplo, R$ 80.000,00 por mês em lucros dessa empresa, a partir de 2026 ele continuará recebendo R$ 50.000,00 isentos. Já os R$ 30.000,00 que excedem o limite serão tributados em 10%, resultando em um imposto de R$ 3.000,00 naquele mês. Desse modo, o sócio receberá, efetivamente, R$ 77.000,00 líquidos de lucros (considerando apenas esse imposto).
2.3. Regra de transição: lucros apurados até 2025
Entretanto, a legislação não ignora o fato de que muitas empresas já possuem lucros acumulados ou terão resultados expressivos até 2025. Por isso mesmo, foi criada uma regra de transição que, em resumo, funciona como uma grande oportunidade de planejamento tributário.
De acordo com essa regra, lucros apurados até 31/12/2025 e cuja distribuição for formalmente aprovada até essa mesma data permanecerão isentos da nova tributação, mesmo que o pagamento ao sócio ocorra nos anos seguintes, até 2028. Na prática, isso significa que a empresa pode “carimbar” esses lucros como isentos, desde que a contabilidade esteja em dia e o ato societário seja corretamente registrado.
3. Exemplos práticos para enxergar o impacto na rotina
Embora a descrição legal possa parecer abstrata, basta observar alguns exemplos numéricos para perceber como a regra funciona na prática. A seguir, vamos considerar alguns cenários comuns.
3.1. Sócio que recebe R$ 30.000,00 em lucros por mês
Nesse caso, o valor mensal distribuído está abaixo do limite de R$ 50.000,00. Portanto:
- Todo o valor permanece isento de IR na pessoa física;
- Não há alteração prática frente ao modelo atual;
- A empresa continua responsável por comprovar, contábil e documentalmente, a existência desse lucro.
3.2. Sócio que recebe R$ 80.000,00 em lucros por mês
Aqui, o cenário já muda de figura. Nesse exemplo:
- R$ 50.000,00 continuam isentos;
- R$ 30.000,00 são tributados em 10% na fonte;
- O imposto devido é de R$ 3.000,00 no mês;
- O sócio recebe R$ 77.000,00 líquidos de lucros.
Ou seja, o impacto financeiro existe, mas não é sobre o total distribuído, e sim sobre o que ultrapassa o limite. Ainda assim, ao longo de um ano, esse valor pode se tornar considerável, especialmente em empresas com alta distribuição de resultados.
3.3. Empresa com lucros acumulados até 2025
Agora, imagine uma empresa que, entre 2023 e 2025, acumulou um valor significativo de lucros, devidamente registrados na contabilidade. Se essa empresa aprovar, até 31/12/2025, a distribuição desses valores para os sócios, todo esse montante continuará isento, mesmo que os pagamentos aconteçam em 2026, 2027 ou 2028.
Portanto, para quem já tem resultados expressivos, ou projeta uma forte lucratividade até 2025, é fundamental aproveitar essa janela de transição, sob pena de ver parte desse lucro sendo tributado a 10% se a distribuição for deixada para depois, sem planejamento.
4. Quem sentirá mais o impacto: pequenos, médios ou grandes empresários?
Em tese, a nova regra foi desenhada para atingir principalmente quem recebe valores mais altos de lucros. Na prática, porém, é importante considerar a realidade de cada nicho.
De um lado, muitos micro e pequenos empresários, que retiram valores mensais bem abaixo de R$ 50.000,00, provavelmente não perceberão uma mudança concreta no curto prazo. Por outro lado, sócios de empresas mais estruturadas, especialmente em setores como e-commerce, serviços especializados, tecnologia, logística e infoprodutos, tendem a ultrapassar esse limite com maior frequência.
5. Impactos específicos em cada regime tributário
Mesmo que a nova tributação incida sobre a distribuição de lucros, e não diretamente sobre a apuração do imposto da empresa, ela acaba repercutindo de formas diferentes em cada regime tributário.
5.1. Empresas do Simples Nacional
Para empresas do Simples Nacional, nada muda na forma de calcular o DAS. Os tributos continuam sendo apurados sobre a receita bruta. No entanto, à medida que o negócio cresce, é comum que o lucro contábil aumente e que o sócio passe a receber valores mais elevados de distribuição.
Portanto, embora muitas empresas do Simples não ultrapassem de imediato o limite de R$ 50.000,00 mensais, aquelas que atuam em nichos com boa margem e escala — como e-commerce bem estruturado — podem, pouco a pouco, entrar na faixa de tributação. Nesse momento, o planejamento passa a ser crucial.
5.2. Empresas no Lucro Presumido
No Lucro Presumido, a empresa paga tributos com base em um percentual presumido sobre a receita, mas o lucro contábil real pode ser muito maior do que a base de cálculo dos impostos. Por essa razão, é bastante comum que empresas nesse regime consigam gerar lucros expressivos e, consequentemente, distribuir valores significativos aos sócios.
Assim, a chance de ultrapassar o limite mensal de R$ 50.000,00 de lucros distribuídos é maior. Logo, também é maior a necessidade de analisar se o Lucro Presumido continua sendo a opção mais interessante, ou se um planejamento envolvendo Lucro Real, reorganização societária ou até mesmo uma combinação de estratégias não seria mais vantajoso.
5.3. Empresas no Lucro Real
Por fim, empresas no Lucro Real já lidam com uma apuração mais detalhada e sofisticada do resultado. Em muitos casos, isso permite explorar diversas possibilidades de dedução, incentivos e planejamentos. Por outro lado, quando o negócio é consistente e lucrativo, o valor de lucro contábil e, portanto, de distribuição, tende a ser elevado.
Nessas situações, é bastante provável que o limite de R$ 50.000,00 mensais seja frequentemente superado, o que torna indispensável uma análise cuidadosa do conjunto da carga tributária: empresa + sócio. Em alguns casos, será necessário repensar inclusive a forma de remuneração dos sócios, buscando um equilíbrio diferente entre pró-labore, distribuição e reinvestimento.
6. Por que a contabilidade completa se torna ainda mais essencial?
Se antes já era importante manter uma contabilidade em dia, a partir da nova regra isso se torna absolutamente indispensável. Isso porque, sem escrituração contábil regular, não há como comprovar o lucro efetivo, e, portanto, não há como sustentar a isenção.
Na prática, isso significa que empresas que tratam a contabilidade como mero “acessório” correrão riscos bem maiores. A Receita Federal, por sua vez, terá ainda mais motivos para questionar distribuições de valores sem lastro, reclassificando esses montantes como rendimentos tributáveis ou, em casos mais extremos, como indício de omissão de receita.
7. A janela de planejamento até 2025: como aproveitar de forma inteligente
Um dos aspectos mais interessantes da nova regra é a possibilidade de planejar, desde já, o que será feito com os resultados de 2024 e 2025. Como vimos, lucros apurados até 2025 e com distribuição aprovada até 31/12/2025 podem continuar sendo pagos sem a tributação de 10% até 2028.
Por isso, ao invés de encarar a mudança apenas como um problema, você pode enxergá-la como um convite para organizar seu negócio. Isso inclui:
- Regularizar e atualizar toda a contabilidade recente;
- Apurar corretamente o lucro acumulado em anos anteriores;
- Discutir com o contador qual parte desse lucro faz sentido efetivamente distribuir;
- Registrar formalmente, em ata ou contrato, a aprovação da distribuição até o fim de 2025;
- Planejar o fluxo de caixa para pagamento desses valores ao longo dos anos seguintes.
Dessa forma, você reduz significativamente o montante que, a partir de 2026, ficaria sujeito à alíquota de 10%.
8. Em que momento considerar migrar de regime tributário?
Diante de tantas mudanças, é natural surgirem dúvidas como: “Ainda faz sentido permanecer no Simples?”, “Será que não é hora de migrar para o Lucro Presumido?”, ou até mesmo “O Lucro Real não seria melhor para o meu caso?”. A resposta, como quase sempre em tributação, é: depende do seu contexto.
No entanto, alguns sinais acendem um alerta de que vale, pelo menos, fazer um estudo de migração:
- Quando a empresa está perto do limite do Simples e a alíquota efetiva já está alta;
- Quando a margem real é muito superior à margem presumida e o lucro é elevado;
- Quando a distribuição de lucros ultrapassa com frequência os R$ 50.000,00 mensais por sócio;
- Quando há muitas despesas dedutíveis que não estão sendo bem aproveitadas;
- Quando o negócio cresce e se torna mais complexo, especialmente no e-commerce.
Para esses casos, não é exagero dizer que um bom estudo comparativo entre regimes pode representar uma economia fiscal relevante ao longo dos próximos anos. Se você estiver justamente nesse momento, vale muito a pena conhecer com mais detalhes nossa atuação específica em mudanças de regime:
Migrar Empresa – Kavalcanti Contabilidade.
9. Passos práticos para começar a se organizar hoje
Diante de tantas informações, é comum a sensação de que o tema é complexo demais. No entanto, se você organizar o processo em etapas, tudo fica mais leve. Veja alguns passos práticos que podem ser dados desde já:
9.1. Entenda quanto você realmente retira da empresa
Antes de mais nada, vale levantar, com calma, quanto você recebe hoje de:
- Pró-labore;
- Distribuição de lucros;
- Outras retiradas, formais ou informais.
A partir daí, você terá clareza se se aproxima do limite de R$ 50.000,00 mensais ou se ainda está distante dele.
9.2. Reavalie o equilíbrio entre pró-labore e lucros
Em muitos casos, será interessante revisar o valor do pró-labore. Embora isso possa elevar o INSS e, eventualmente, o IR retido na fonte, o efeito combinado com a tributação de 10% sobre o excedente de lucros pode levar a uma carga total mais racional.
9.3. Coloque a contabilidade em dia
Se hoje a empresa não possui uma contabilidade completa, esse é o momento ideal para corrigir a rota. Sem documentos contábeis, não há base para isentar lucros e muito menos para planejar a distribuição futura.
10. Quer ver essa explicação em vídeo?
Se você prefere consumir esse tipo de conteúdo em formato audiovisual, também falo sobre essa nova tributação e sobre planejamento de lucros em vídeos no meu Instagram. Lá, aprofundo exemplos, comento dúvidas frequentes e mostro, de forma mais dinâmica, como essas mudanças afetam o dia a dia de quem empreende.
Você pode acessar o perfil em:
Instagram da Kavalcanti Contabilidade
Fale com a Kavalcanti pelo WhatsApp
Se você quer entender, com números, como essa nova regra impacta o seu caso específico e quais são as melhores alternativas para o seu negócio, o próximo passo é simples: converse conosco.